quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

" Fé e o Fax" para intuir os dogmas de Maria

Gabriel pertence a um tempo de desencanto da História do Brasil. Ele nasceu em 31 de março de 1964, junto com a “gloriosa”, a Revolução que mergulhou o país em quase três décadas de censura, repressão, obscurantismo e autoritarismo. Enfim, tempos de uma ditadura que, entre outras mazelas, congelou o desenvolvimento político do povo brasileiro, calou pela força a boca de quem ousou pensar diferente, sufocou lideranças, fazendo nascer o que costumo chamar de “geração das certezas perdidas”.
           Como cantou o Gonzaguinha, “um tempo em que lutar por seu direito era um defeito que mata...”
Começava 1985. Gabriel e a ditadura chegavam à maioridade, 21 anos! A ditadura militar dava seus últimos suspiros já que “de muito gorda a porca já não andava, de muito usada a faca já não cortava”, mas continuava difícil abrir a porta da História para o tal Brasil do futuro. Tão difícil que o primeiro presidente civil, Tancredo Neves, eleito indiretamente depois da fila de generais, num enredo que nem roteirista de novela mexicana poderia imaginar, morre sem tomar posse. E o Brasil do Gabriel entra na era Sarney, que Deus nos livre!
Deus não nos livrou, e chegamos ao fim da década de 80 com uma inflação de 84% ao mês!
Foi muito para o Gabriel que perdeu, literalmente, a fé. E não foi só a fé no Brasil. Gabriel radicalizou geral e perdeu também a fé religiosa, apesar dos apelos e preces de sua santa mãe, Dona Carlina, que se horrorizava com aquele filho ateu.
Gabriel, meio irônico, muito amargo, como tantos da sua geração, gostava de cutucar Dona Carlina zombando da sua fé e questionando os dogmas religiosos. Coisa fácil de fazer, uma vez que a fé, olhada apenas com os olhos da razão, é mesmo meio indefensável, quase ridícula.
Corta para a cena: Gabriel em casa, trabalhando. É, trabalhar em casa é mais um dos avanços permitidos pelos novos ares e a tecnologia do século XXI. Para alguns profissionais, um celular já é um escritório completo.
No caso do Gabriel, que deixou de lado a engenharia e hoje é representante comercial, além do celular há o computador, claro, e um aparelho de fax. Pronto, a empresa está montada. Que venham os clientes!
            Dona Carlina visita o filho. No quarto que funciona como escritório, o diálogo impertinente.
- Ah, mãe, deixa de história! Acreditar que Nossa Senhora teve um filho e continuou virgem? Que besteira!
De repente, um barulhinho, um chiado, um apito e do aparelho de fax começa a brotar uma longa folha de papel.
Dona Carlina olha aquilo, admirada.
- Que que é isso, meu filho?                        
- É um fax, mãe.
- Fax? Que trem é esse?
- É assim, mãe. Tenho um amigo que mora na Alemanha. Ele trabalha com a mesma empresa que eu. De lá me mandou uma lista de produtos e preços que temos para oferecer aos clientes. Ele pegou a folha com a lista, lá na Alemanha, colocou no fax da casa dele que a transformou num sinal digital que viajou, viajou e chegou no fax aqui de casa. Tá aqui, quentinha.
Dona Carlina pega a folha, ainda mais admirada.
- Quentinha mesmo. Olha que coisa...
-Quer dizer, meu filho, que essa folha tava lá na Alemanha, entrou num caixotinho feito esse, virou um sinal num sei o que, viajou, viajou, tomou o rumo de cá, rodou, rodou e achou, nesse Brasilzão desse tamanho, justamente o seu caixotinho, como é que chama mesmo?
- Fax, mãe...

- Pois então, achou o seu fax, direitinho, aqui na sua casa, desvirou de novo pra ser papel e brotou no caixotinho, do jeitim que saiu de lá?
- É, mãe, é assim mesmo.
- Dona Carlina, assuntou, pensou, calculou e concluiu:
- É, essas coisas é que fazem a gente acreditar na virgindade de Nossa Senhora...
- Como assim mãe?!
- Uai, meu filho; lá na igreja o padre diz pra gente que Nossa Senhora ficou grávida e era virgem. E que continuou virgem durante e depois do parto. E você acha difícil a gente acreditar nele! Mas agora me diz que este papel entrou num caixotinho lá na Alemanha, quase do outro lado do mundo, veio, veio, veio, atravessou o mar, veio, veio, achou nossa cidade, achou sua casa, achou seu caixotinho e saiu por ele ... e eu tenho que acreditar nisto que você tá dizendo?!!!
Vou embora. Um beijo, Deus te abençoe!


Eduardo Machado

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