sexta-feira, 30 de setembro de 2011

E Jesus aprendeu...


 Uma ocasião, numa aula em que se falava sobre a encarnação de Jesus, houve um impasse. Dois professores tinham idéias diferentes sobre o assunto. Um defendia a tese de que Jesus, Deus e Homem, sempre teve plena consciência de toda a sua realidade divina, de sua missão, da sua identificação eterna com o Pai e o Espírito Santo. O outro colocava Jesus numa dimensão mais humana, sem negar sua divindade, mas num processo progressivo de descoberta da própria identidade e de sua missão redentora.
            Como se vê, um debate de alta complexidade teológica, que nós, jovens leigos, acompanhávamos com interesse, ouvindo argumentos plausíveis de ambos os lados. Pelo que me lembro, os dois mestres não chegaram a um acordo.
       Pois bem, mais de trinta anos depois me defronto com a proposta de rezar o evangelho de domingo que narra o encontro de Jesus com uma mulher pagã. O texto diz assim:
 
           Naquele tempo, Jesus foi para a região de Tiro e Sidônia. Eis que uma mulher cananéia, vindo daquela região, pôs-se a gritar:           
           -Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!
            Mas, Jesus não lhe respondeu palavra alguma. Então os discípulos aproximaram-se e lhe pediram:
            -Manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós". Jesus respondeu: "Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel".
           Mas, a mulher, aproximando-se, prostrou-se diante de Jesus, e começou a implorar:
           "Senhor, socorre-me!" Jesus lhe disse:
            "Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos".
            A mulher insistiu:
           "É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!"
           Diante disso, Jesus lhe disse:
           -Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres!"
           E desde esse momento sua filha ficou curada.
                                                                                                                    Mateus (Mt 15, 21-28)

            O texto me chama a atenção de maneira especial. A primeira reação de Jesus aos apelos da mulher é estranha, formal, quase de desdém. Não combina com seu modo de proceder. A insistência da mulher, que irrita alguns discípulos, provoca nele uma mudança.
            Debruço-me sobre a cena, em oração e contemplação. Dentro de mim, a memória do debate entre os dois padres. Jesus sabia ou aprendia...?
            Pelos caminhos do coração meu espírito se move, em busca de respostas.
            As respostas teológicas, eu sei, podem ser buscadas nas páginas do Jornal de Opinião escritas pelo Pe. Libanio ou pelo Pe. Konnings. A eles, teólogos e exegetas de renome, cabe a orientação segura, fiel ao magistério da Igreja. Em mim, o que fala é a intuição leiga, sem nenhuma pretensão a não ser me deixar tocar e afetar pela presença de Deus e perceber os movimentos que seu Espírito faz em minha vida.
           Contemplo o olhar aflito da mulher. As mãos estendidas, em súplica, os olhos marejados de lágrimas. Entre os discípulos reações diversas, da compaixão à impaciência.
           Olho para Jesus. Ele está surpreso. Na sua expressão um misto de ternura e confusão. Logo, um sorriso ilumina o seu rosto e Ele aperta em suas mãos a mão daquela mulher. Ergue-a do chão e a abraça.                    
           Ouço-o dizer:
          “Mulher, é grande a sua fé. A sua filha está curada...”
           Em volta, todos olham em silêncio, igualmente surpresos. A mulher vai embora, cheia de alegria e esperança. Jesus nos pede licença e retira-se para o alto de um monte. De longe, o vemos em oração, Por um longo tempo Ele lá permanece, em silêncio.
           Quando retornou trazia no rosto uma expressão diferente, parecendo olhar além do horizonte, buscando paisagens que ultrapassavam as fronteiras que nos rodeavam.
            Pensei comigo: aquela mulher ensinou algo a Jesus.
            Ele nos olhou sorrindo e convidou a continuar a caminhada. “Temos muito o que fazer”, disse. E seguimos em direção ao Mar da Galiléia...
Eduardo Machado
                                                                                                                29/08/2005

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Curiosidades sobre a Páscoa

Os Mártires de Realengo... Num país chamado Brasil !

 
Para Adentrar na profundidade da reflexão, começo distinguindo o conceito de "Mártires de Realengo". Um mártir (do grego μάρτυς, transl. martys, "testemunha") é uma pessoa que morre por sua fé religiosa, pelo simples fato de professar uma determinada religião ou por agir coerentemente com a religião que possui.
No decorrer da História porém, a palavra ganhou outros conceitos, como morrer patrioticamente pela liberdade, a independência ou a autonomia de um povo, por um ideal social ou político ou até mesmo em uma guerra.
Do ponto de vista cristão e dentro do contexto do Novo Testamento pode-se dizer que mártir é aquele que preferiu morrer a renunciar à sua fé, por defender a veracidade do que consiste "a Palavra de Deus" entregando a própria vida para este fim, para que a essência desta verdade fosse preservada.
Entre os cristãos chama-se "batismo de sangue" o mártírio daquele que morre pela fé antes de ter sido batizado. Assim, foram os  Santos Inocentes, as crianças que foram mortas em Belém a mando de Herodes, embora não tenham sido batizados na água diz-se que receberam o "batismo de sangue" por que foram mortos no lugar de Jesus Cristo e por causa Dele. Estes são considerados os primeiros mártires do cristianismo. A Igreja Católica reconhece como válido o chamado "batismo de sangue" no lugar do batismo sacramental.
Agora, vamos ao fenômeno daquela quinta feira que não era 'quinta-feira santa' mas foi santificada...
Deve ter sido mais ou menos assim, no dia anterior, na escola Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio. Sendo uma escola pública e de bairro, com certeza havia menos movimento de carros à porta. As crianças e adolescentes, mais independentes, morando ali pelos arredores, chegam à escola pelos próprios pés. Mas imagino a mesma alegria, as conversas em voz alta, as risadas, o mesmo burburinho, próprio da idade, esse brilho adolescente que dá vida à escola, que dá vida à vida.
Naquela quinta feira, os sons da vida dariam lugar ao silêncio da morte. Os risos seriam substituídos por gritos de desespero e pelo eco dos tiros que, um a um, buscavam vítimas indefesas.
Em poucos minutos uma violência absurda e brutal entraria em sala de aula para uma lição que os alunos jamais esqueceriam. Nenhum de nós esquecerá.
Será?
Há tantas outras tragédias que ocuparam por dias, semanas, os espaços das manchetes e hoje são vagas e tristes lembranças. João Hélio, Eloá Cristina, Isabela Nardoni. Esquecidos, raramente voltam à mídia.
Em Realengo, dos que chegaram para as aulas, no burburinho de um dia que deveria ser como todos os dias, doze nunca mais voltariam para suas casas.
Não vou falar dos detalhes da tragédia. Isso a mídia já fez com minuciosa competência. Os passos do criminoso já foram reconstituídos com precisão milimétrica. Sua vida foi devassada, sua loucura estampada nas páginas, telas e sons de todos os veículos de comunicação.
As imagens do massacre, captadas sob diversos ângulos por câmeras onipresentes, nesse imenso big brother em que transformamos o cotidiano, mostraram em slow motion, com direito a replay, a fria, mecânica e violenta ação do assassino enlouquecido.
Um espetáculo da mídia. Um espetáculo do medo. E quando o medo vira espetáculo, a segurança vira mercadoria.
Mal silenciado o eco dos disparos, políticos já disputavam os palanques eletrônicos em entrevistas onde questionavam a segurança nas nossas escolas. Aqui em BH um vereador rapidamente desenterrou um projeto que propõe a instalação de detectores de metal em cada unidade de ensino. Especialistas discutiram exaustivamente as razões de tanta violência. Um deles, o ex capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, que inspirou a criação do personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, foi curto e grosso; “o primeiro passo para diminuir a violência é desarmar a população”, no que foi rapidamente contestado por outros especialistas.
Na verdade, o massacre de Realengo expõe muitas das nossas realidades e fragilidades. Dentre elas, uma que destaco: o medo tornou-se um bom negócio. Aliás, um ótimo negócio. E muitos de nós, adestrados e obedientes às leis do Mercado, tornamo-nos clientes do medo. Vivemos, literalmente, “alarmados”. Alarmes em casa, no trabalho, no carro, no coração, na alma. Erguemos à nossa volta arame farpado e cercas eletrificadas. O que era coisa de campo de concentração nazista hoje é equipamento básico, “ornamentando” nossas casas, prédios e condomínios. Quando não razões concretas para o medo, temos medo do medo de ter medo.
Para o atirador de Realengo, imitador de outros tantos atiradores em outros tantos países, imitado, no dia seguinte, por um atirador num shopping, na Holanda, alarmes, cercas, câmeras de vigilância, detectores e sensores pouco podem fazer. Em sua loucura, estão dispostos a morrer, o que os torna incontroláveis. Em geral não tem antecedentes criminais o que os torna também imprevisíveis, apesar de os que com eles convivem perceberem que há algo de estranho em seu comportamento. Mas, para a imensa maioria da população brasileira, que recursos há para atendimento psicológico ou psiquiátrico?
 Diante desse quadro há uma solução, uma saída? O nosso futuro é construir muros cada vez mais altos, cercas cada vez mais extensas, alarmes cada vez mais sofisticados e potentes? Casas e escolas tipo fortalezas?
O medo será a herança dos nossos filhos?
“Mesmo contra toda a esperança, esperei...”, diz o apóstolo Paulo. E se ter esperança é sentir saudades do que ainda há de vir... deve haver um outro mundo possível...
Mas onde buscar essa esperança?
Um fato quase anônimo, que pouco destaque teve na mídia escandalosa, acende, para mim, uma fresta de luz em meio a tanta treva.
Dois dias depois do massacre, a casa onde morou o atirador foi pichada e depredada por pessoas revoltadas com o episódio.
No dia seguinte, alguns moradores anônimos, entre eles, alunos da escola Tasso da Silveira, apagaram as pichações, consertaram os portões destruídos da casa, colocaram papelão no lugar dos vidros quebrados nas janelas.
Um deles, entrevistado, disse apenas uma frase: “o ódio não é uma boa alternativa para o medo...”.
Por aí pode haver uma saída, um caminho.
Em lugar da espetacularização momentânea da tragédia, como já aconteceu em tantos outros casos de violência, uma postura mais sóbria, equilibrada, responsável da mídia.
Em lugar de gestos de vingança, apoio real, efetivo, contínuo e solidário às vítimas.
Em lugar de mãos crispadas, prontas a revidar, toques de acolhida e ternura.
Em lugar da caça irracional aos culpados, uma reflexão séria sobre responsabilidades.
Culpa é uma seta que aponta para trás e para baixo. Responsabilidade aponta para frente. Culpa gera vergonha, mentiras, manipulação. Responsabilidade gera atitudes de prevenção e mudança.
Dias depois da tragédia em Realengo, dois acidentes automobilísticos custaram a vida de 19 pessoas, a maioria jovens, nas estradas da minha Minas Gerais. Os dois, claro, foram notícia. Mas nem de longe alcançaram a repercussão do massacre na escola do Rio. É que o massacre era novidade. A carnificina nas nossas estradas já é rotina...
Parte da mídia vive em busca de culpados. Toda a sociedade precisa de identificar os responsáveis. E os responsáveis precisam assumir suas responsabilidades.
É... entre a culpa e a responsabilidade, há muito que pensar, muito que fazer..

quarta-feira, 23 de março de 2011

A vida no Planeta

Estamos, mais uma vez, no Tempo da Quaresma, momento forte e marcante no calendário litúrgico.
O termo “Quaresma” vem de quarenta, número bíblico simbólico de um tempo de preparação, espera, e mudança.
Por quarenta dias choveu sobre Noé e sua arca, na parábola do dilúvio. Por quarenta anos o povo hebreu vagou pelo deserto em busca da Terra Prometida. Jesus ficou quarenta dias no deserto, em jejum e penitência, antes de começar sua vida pública.
Para os cristãos, o tempo da Quaresma, os quarenta dias entre a Quarta feira de Cinzas e o Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa, convida também à preparação para uma grande mudança;  a nova vida que vem com a Páscoa.
É nesse contexto que, desde 1964, a Igreja no Brasil, promove a profunda experiência da Campanha da Fraternidade. Ao longo de mais de quatro décadas, ano a ano, temas e lemas apontam o rumo e o modo de caminhar da nossa Igreja. E neste ano de 2011 a CNBB retoma e aprofunda um dos temas fundamentais para a garantia da dignidade de todas as pessoas: “Fraternidade e a vida no planeta”, com o lema: “A Criação geme em dores de parto”.
            Quando contemplamos o mundo que vai se delineando nesta segunda década do Séc. XXI percebemos que nunca o homem pode exercitar com tanto vigor o seu direito de escolha. Apesar dos limites e contradições imensos que sabemos existir neste planeta tão vasto e plural, onde encontramos desde a opulência mais exacerbada até a miséria mais absurda, onde, em meio a regimes políticos democráticos, sobrevivem ainda ditaduras brutais, apesar de tudo isso, a História aponta na direção do exercício cada vez maior da liberdade humana.
            Não há entusiasmo ufanista nessa afirmativa, pois ninguém é livre se não tem o mínimo para sobreviver com dignidade. Ninguém é livre se passa necessidades que afrontam sua dignidade como pessoa. E há ainda, no mundo, um contingente imenso de pessoas a quem são negados direitos que nem podemos chamar de humanos: comer, se abrigar, cuidar da cria, é direito de bicho. Gente quer e precisa de mais. Gente é pra brilhar, como disse o Caetano.
            A contradição fica ainda maior quando constatamos que o Homem, hoje, mais que em qualquer outro tempo na História, tem meios, tecnologia e conhecimento para acabar com a miséria absoluta. E aqui faço uma diferença entre pobreza e miséria.
Quando ia com meus alunos à região de Bonfim ou ao norte de Minas, na experiência da Missão Rural, conhecíamos uma pobreza diferente da que costumamos ver nos grandes centros urbanos. Pessoas simples, casas simples, vidas ainda mais simples. Mas inteiras, cheias de dignidade. Lá as pessoas têm nome, sobrenome, história. Constroem relações, são parte de uma comunidade. Mas lá, nas comunidades de Barreiras, Miranda, Jordão e tantas outras, ou no norte de Minas, e por toda parte, há um gemido de dor na Criação, que quer dar à luz um mundo novo, onde as pessoas tenham direito a Educação, Saúde, Moradia, Segurança, Trabalho, melhores condições de vida para todos.
Mas, se lá no interior existe a pobreza, aqui, na cidade grande ela ganha ares de miséria. O pobre, no interior, vira miserável, na capital. Arrancado da sua cultura, da sua terra, das suas origens, aqui ele perde suas referências mais preciosas, perde a sua dignidade humana. O desemprego ou o subemprego abrem espaço para o mundo das drogas, da prostituição, da invisibilidade social.
È possível superar a pobreza. É intolerável admitir a miséria. A ela podemos e devemos combater e até eliminar. Meios há, falta a tal da vontade política.
            Assim a Campanha da Fraternidade deste ano convida os cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade a uma reflexão seguida de ações concretas pela valorização da vida no planeta sob todas as suas formas. A vida é dom de Deus, dom irrevogável e único. Defender a vida é defender nossa origem, nossa caminhada e nosso destino final.
Eduardo Machado

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Site de Ensino Religioso para Donwload de conteúdo

https://sites.google.com/site/sosreligiao

Campanha da Fraternidade 2011

Com o tema “Fraternidade e a vida no planeta” e o lema “A criação geme como em dores de parto”, a “Campanha da Fraternidade deste ano (2011) reflete a questão ecológica, com foco, sobretudo, no problema das mudanças climáticas. Ela se coloca em sintonia com uma cultura que está se expandindo cada vez mais, em todo o mundo, de respeito pelo meio ambiente e do lugar em que Deus nos coloca, não só para vivermos e convivermos, mas também para fazer deste o paraíso com o qual tanto sonhamos” (Dom Dimas de Lara, presidente da CNBB).
É uma grande responsabilidade e desafio para todos estudar, conhecer, vivenciar e divulgar este tema e causa, é a vida no planeta e do planeta que pede socorro. Existem muitas ações de cuidado e defesa da vida, mas é preciso fazer muito mais, é urgente.

Explicação do Cartaz da Campanha da Fraternidade 2011



       O cartaz possui dois planos. Ao fundo observa-se uma fábrica que solta fumaça, poluindo e degradando o ambiente, deixando o céu plúmbeo, intoxicado e acinzentado.
A figura do rio com a água escurecida e suja representa também a parte natural sendo devastada, influenciando no aparecimento das enchentes e no aumento do nível do mar, ações estas provocadas pelo ato errado do homem.
        Em contraste a isso, vemos em primeiro plano uma mureta, onde em meio à devastação ainda existe vida. Nela, um pequeno broto e um cipreste (hera), com suas raízes incrustadas, criando um microecossistema, ainda insistem em viver mesmo diante de um cenário áspero. Sendo, portanto, referência ao lema: "A criação geme em dores de parto" (Rm 8,22).
        Apesar de todo o sofrimento que a criação enfrenta ao longo dos tempos, de todos os seus 'gritos de dor' - a vida rompe barreiras e nos mostra que ainda existe esperança, representada pela borboleta, que mesmo com uma vida curta, cumpre o seu importante papel no ciclo natural do planeta.