quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Como ser santo ?
De maneira jocosa e reflexiva pego carona nas ideias de meu amigo e mestre Eduardo para expor meu pensamento sobre como é o processo de santidade ou simplemente: como ser santo?

Mas a troca não é direta. Há os intermediários, santos e santas que acabam virando uma espécie de operadores do telemarketing celeste, encarregados de encaminhar e agilizar os serviços divinos de cura, socorro, auxílio financeiro, busca de amores e empregos perdidos e outras necessidades.
Em tempos de crise, valei-nos Santa Edwiges, padroeira dos endividados. E não é por acaso que dois dos santos mais populares no Brasil sejam São Judas Tadeu e Santo Expedito. É que as pessoas querem solução para suas causas impossíveis, e rápido!!! Este ano, atleticanos e cruzeirenses estão entre seus maiores devotos...
Apesar da minha visão crítica, respeito a religiosidade popular. Ela me fala, primeiro, da busca, do desejo de intimidade com o Sagrado. Compartilhar com Deus as coisas miúdas do dia a dia. Senti-Lo companheiro. Afinal, o Deus em que creio não é um comerciante atrás de um balcão, nem um SAMU ao qual recorro em caso de urgência. O Deus em que creio, revelado em Jesus Cristo, “está no meio de nós”
Esse Deus santificou a história humana quando se fez carne e habitou entre nós. Tudo, em mim e à minha volta, tornou-se altar. E no altar do dia a dia, santos e santas somos todos nós, tão humanos, tão divinos. Pois não somos imagem e semelhança do Deus que nos criou?
Por isso, rezo, todos os dias, com os santos que me rodeiam e caminham comigo, construindo com nossas frágeis mãos humanas o Reino que já está entre nós.
Valei-me São Tião, São Leandro e São Tarcísio, porteiros. Ensinem-me a abrir as portas do meu coração para o novo, para o sempre.
Valei-me São Betão, São Jabá, São Michel, São Ricardo,santos do altar mais numeroso do meu coração, entre tantos outros santos e santas, cuja graça maior é o compartilhar da amizade, amenizando dores, multiplicando alegrias, semeando utopias..
Valei-me Santa Tutu, que de tanto carinho e ternura, do fogão ao afago, não deve ter sido filha, já deve ter nascido mãe.
Valei-me São Daniel, São Thiago, São Lucas, que fizeram nascer em mim o pai que sou, o pai que tento ser. Com vocês aprendi a rimar amor e dor, e celebrar, todos os dias, essa coisa chamada esperança.
Valei-me meu santo aluno, minha santa aluna, que me possibilitam essa coisa parecida com eternidade, que é viver, a cada fevereiro, uma nova juventude.
Valham-me todos os santos, companheiros anônimos, desconhecidos, com os quais esbarro nas ruas, cruzo no elevador, no trânsito, nos corredores, nas escadas e esquinas da vida.
Tragam-me a graça do amor simples, da fé com as mãos, da esperança sem alienação.
Amém!
E você, a que santos quer recorrer, que graças quer alcançar?
Eduardo Machado
01 de novembro de 2011
01 de novembro de 2011
" Fé e o Fax" para intuir os dogmas de Maria
Gabriel pertence a um tempo de desencanto da História do Brasil. Ele nasceu em 31 de março de 1964, junto com a “gloriosa”, a Revolução que mergulhou o país em quase três décadas de censura, repressão, obscurantismo e autoritarismo. Enfim, tempos de uma ditadura que, entre outras mazelas, congelou o desenvolvimento político do povo brasileiro, calou pela força a boca de quem ousou pensar diferente, sufocou lideranças, fazendo nascer o que costumo chamar de “geração das certezas perdidas”.
Como cantou o Gonzaguinha, “um tempo em que lutar por seu direito era um defeito que mata...”
Como cantou o Gonzaguinha, “um tempo em que lutar por seu direito era um defeito que mata...”
Começava 1985. Gabriel e a ditadura chegavam à maioridade, 21 anos! A ditadura militar dava seus últimos suspiros já que “de muito gorda a porca já não andava, de muito usada a faca já não cortava”, mas continuava difícil abrir a porta da História para o tal Brasil do futuro. Tão difícil que o primeiro presidente civil, Tancredo Neves, eleito indiretamente depois da fila de generais, num enredo que nem roteirista de novela mexicana poderia imaginar, morre sem tomar posse. E o Brasil do Gabriel entra na era Sarney, que Deus nos livre!
Deus não nos livrou, e chegamos ao fim da década de 80 com uma inflação de 84% ao mês!
Foi muito para o Gabriel que perdeu, literalmente, a fé. E não foi só a fé no Brasil. Gabriel radicalizou geral e perdeu também a fé religiosa, apesar dos apelos e preces de sua santa mãe, Dona Carlina, que se horrorizava com aquele filho ateu.
Gabriel, meio irônico, muito amargo, como tantos da sua geração, gostava de cutucar Dona Carlina zombando da sua fé e questionando os dogmas religiosos. Coisa fácil de fazer, uma vez que a fé, olhada apenas com os olhos da razão, é mesmo meio indefensável, quase ridícula.
Corta para a cena: Gabriel em casa, trabalhando. É, trabalhar em casa é mais um dos avanços permitidos pelos novos ares e a tecnologia do século XXI. Para alguns profissionais, um celular já é um escritório completo.
No caso do Gabriel, que deixou de lado a engenharia e hoje é representante comercial, além do celular há o computador, claro, e um aparelho de fax. Pronto, a empresa está montada. Que venham os clientes!
Dona Carlina visita o filho. No quarto que funciona como escritório, o diálogo impertinente.
- Ah, mãe, deixa de história! Acreditar que Nossa Senhora teve um filho e continuou virgem? Que besteira!
De repente, um barulhinho, um chiado, um apito e do aparelho de fax começa a brotar uma longa folha de papel.
Dona Carlina olha aquilo, admirada.
- Que que é isso, meu filho?
- É um fax, mãe.
- Fax? Que trem é esse?
- É assim, mãe. Tenho um amigo que mora na Alemanha. Ele trabalha com a mesma empresa que eu. De lá me mandou uma lista de produtos e preços que temos para oferecer aos clientes. Ele pegou a folha com a lista, lá na Alemanha, colocou no fax da casa dele que a transformou num sinal digital que viajou, viajou e chegou no fax aqui de casa. Tá aqui, quentinha.
Dona Carlina pega a folha, ainda mais admirada.
- Quentinha mesmo. Olha que coisa...
-Quer dizer, meu filho, que essa folha tava lá na Alemanha, entrou num caixotinho feito esse, virou um sinal num sei o que, viajou, viajou, tomou o rumo de cá, rodou, rodou e achou, nesse Brasilzão desse tamanho, justamente o seu caixotinho, como é que chama mesmo?
- Fax, mãe...
Deus não nos livrou, e chegamos ao fim da década de 80 com uma inflação de 84% ao mês!
Foi muito para o Gabriel que perdeu, literalmente, a fé. E não foi só a fé no Brasil. Gabriel radicalizou geral e perdeu também a fé religiosa, apesar dos apelos e preces de sua santa mãe, Dona Carlina, que se horrorizava com aquele filho ateu.
Gabriel, meio irônico, muito amargo, como tantos da sua geração, gostava de cutucar Dona Carlina zombando da sua fé e questionando os dogmas religiosos. Coisa fácil de fazer, uma vez que a fé, olhada apenas com os olhos da razão, é mesmo meio indefensável, quase ridícula.
Corta para a cena: Gabriel em casa, trabalhando. É, trabalhar em casa é mais um dos avanços permitidos pelos novos ares e a tecnologia do século XXI. Para alguns profissionais, um celular já é um escritório completo.
No caso do Gabriel, que deixou de lado a engenharia e hoje é representante comercial, além do celular há o computador, claro, e um aparelho de fax. Pronto, a empresa está montada. Que venham os clientes!
Dona Carlina visita o filho. No quarto que funciona como escritório, o diálogo impertinente.
- Ah, mãe, deixa de história! Acreditar que Nossa Senhora teve um filho e continuou virgem? Que besteira!
De repente, um barulhinho, um chiado, um apito e do aparelho de fax começa a brotar uma longa folha de papel.
Dona Carlina olha aquilo, admirada.
- Que que é isso, meu filho?
- É um fax, mãe.
- Fax? Que trem é esse?
- É assim, mãe. Tenho um amigo que mora na Alemanha. Ele trabalha com a mesma empresa que eu. De lá me mandou uma lista de produtos e preços que temos para oferecer aos clientes. Ele pegou a folha com a lista, lá na Alemanha, colocou no fax da casa dele que a transformou num sinal digital que viajou, viajou e chegou no fax aqui de casa. Tá aqui, quentinha.
Dona Carlina pega a folha, ainda mais admirada.
- Quentinha mesmo. Olha que coisa...
-Quer dizer, meu filho, que essa folha tava lá na Alemanha, entrou num caixotinho feito esse, virou um sinal num sei o que, viajou, viajou, tomou o rumo de cá, rodou, rodou e achou, nesse Brasilzão desse tamanho, justamente o seu caixotinho, como é que chama mesmo?
- Fax, mãe...
- Pois então, achou o seu fax, direitinho, aqui na sua casa, desvirou de novo pra ser papel e brotou no caixotinho, do jeitim que saiu de lá?
- É, mãe, é assim mesmo.
- Dona Carlina, assuntou, pensou, calculou e concluiu:
- É, essas coisas é que fazem a gente acreditar na virgindade de Nossa Senhora...
- Como assim mãe?!
- Uai, meu filho; lá na igreja o padre diz pra gente que Nossa Senhora ficou grávida e era virgem. E que continuou virgem durante e depois do parto. E você acha difícil a gente acreditar nele! Mas agora me diz que este papel entrou num caixotinho lá na Alemanha, quase do outro lado do mundo, veio, veio, veio, atravessou o mar, veio, veio, achou nossa cidade, achou sua casa, achou seu caixotinho e saiu por ele ... e eu tenho que acreditar nisto que você tá dizendo?!!!
Vou embora. Um beijo, Deus te abençoe!
Eduardo Machado
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
E Jesus aprendeu...
Uma ocasião, numa aula em que se falava sobre a encarnação de Jesus, houve um impasse. Dois professores tinham idéias diferentes sobre o assunto. Um defendia a tese de que Jesus, Deus e Homem, sempre teve plena consciência de toda a sua realidade divina, de sua missão, da sua identificação eterna com o Pai e o Espírito Santo. O outro colocava Jesus numa dimensão mais humana, sem negar sua divindade, mas num processo progressivo de descoberta da própria identidade e de sua missão redentora.
Como se vê, um debate de alta complexidade teológica, que nós, jovens leigos, acompanhávamos com interesse, ouvindo argumentos plausíveis de ambos os lados. Pelo que me lembro, os dois mestres não chegaram a um acordo.
Pois bem, mais de trinta anos depois me defronto com a proposta de rezar o evangelho de domingo que narra o encontro de Jesus com uma mulher pagã. O texto diz assim:
“Naquele tempo, Jesus foi para a região de Tiro e Sidônia. Eis que uma mulher cananéia, vindo daquela região, pôs-se a gritar:
-Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!
Mas, Jesus não lhe respondeu palavra alguma. Então os discípulos aproximaram-se e lhe pediram:
-Manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós". Jesus respondeu: "Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel".
Mas, a mulher, aproximando-se, prostrou-se diante de Jesus, e começou a implorar:
"Senhor, socorre-me!" Jesus lhe disse:
"Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos".
A mulher insistiu:
"É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!"
Diante disso, Jesus lhe disse:
-Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres!"
E desde esse momento sua filha ficou curada.
Mateus (Mt 15, 21-28)
O texto me chama a atenção de maneira especial. A primeira reação de Jesus aos apelos da mulher é estranha, formal, quase de desdém. Não combina com seu modo de proceder. A insistência da mulher, que irrita alguns discípulos, provoca nele uma mudança.
Debruço-me sobre a cena, em oração e contemplação. Dentro de mim, a memória do debate entre os dois padres. Jesus sabia ou aprendia...?
Pelos caminhos do coração meu espírito se move, em busca de respostas.
As respostas teológicas, eu sei, podem ser buscadas nas páginas do Jornal de Opinião escritas pelo Pe. Libanio ou pelo Pe. Konnings. A eles, teólogos e exegetas de renome, cabe a orientação segura, fiel ao magistério da Igreja. Em mim, o que fala é a intuição leiga, sem nenhuma pretensão a não ser me deixar tocar e afetar pela presença de Deus e perceber os movimentos que seu Espírito faz em minha vida.
Contemplo o olhar aflito da mulher. As mãos estendidas, em súplica, os olhos marejados de lágrimas. Entre os discípulos reações diversas, da compaixão à impaciência.
Olho para Jesus. Ele está surpreso. Na sua expressão um misto de ternura e confusão. Logo, um sorriso ilumina o seu rosto e Ele aperta em suas mãos a mão daquela mulher. Ergue-a do chão e a abraça.
Ouço-o dizer:
“Mulher, é grande a sua fé. A sua filha está curada...”
Em volta, todos olham em silêncio, igualmente surpresos. A mulher vai embora, cheia de alegria e esperança. Jesus nos pede licença e retira-se para o alto de um monte. De longe, o vemos em oração, Por um longo tempo Ele lá permanece, em silêncio.
Quando retornou trazia no rosto uma expressão diferente, parecendo olhar além do horizonte, buscando paisagens que ultrapassavam as fronteiras que nos rodeavam.
Pensei comigo: aquela mulher ensinou algo a Jesus.
Ele nos olhou sorrindo e convidou a continuar a caminhada. “Temos muito o que fazer”, disse. E seguimos em direção ao Mar da Galiléia...
Eduardo Machado
29/08/2005
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Os Mártires de Realengo... Num país chamado Brasil !
Para Adentrar na profundidade da reflexão, começo distinguindo o conceito de "Mártires de Realengo". Um mártir (do grego μάρτυς, transl. martys, "testemunha") é uma pessoa que morre por sua fé religiosa, pelo simples fato de professar uma determinada religião ou por agir coerentemente com a religião que possui.
No decorrer da História porém, a palavra ganhou outros conceitos, como morrer patrioticamente pela liberdade, a independência ou a autonomia de um povo, por um ideal social ou político ou até mesmo em uma guerra.
Do ponto de vista cristão e dentro do contexto do Novo Testamento pode-se dizer que mártir é aquele que preferiu morrer a renunciar à sua fé, por defender a veracidade do que consiste "a Palavra de Deus" entregando a própria vida para este fim, para que a essência desta verdade fosse preservada.
Entre os cristãos chama-se "batismo de sangue" o mártírio daquele que morre pela fé antes de ter sido batizado. Assim, foram os Santos Inocentes, as crianças que foram mortas em Belém a mando de Herodes, embora não tenham sido batizados na água diz-se que receberam o "batismo de sangue" por que foram mortos no lugar de Jesus Cristo e por causa Dele. Estes são considerados os primeiros mártires do cristianismo. A Igreja Católica reconhece como válido o chamado "batismo de sangue" no lugar do batismo sacramental.
Agora, vamos ao fenômeno daquela quinta feira que não era 'quinta-feira santa' mas foi santificada...
Deve ter sido mais ou menos assim, no dia anterior, na escola Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio. Sendo uma escola pública e de bairro, com certeza havia menos movimento de carros à porta. As crianças e adolescentes, mais independentes, morando ali pelos arredores, chegam à escola pelos próprios pés. Mas imagino a mesma alegria, as conversas em voz alta, as risadas, o mesmo burburinho, próprio da idade, esse brilho adolescente que dá vida à escola, que dá vida à vida.
Naquela quinta feira, os sons da vida dariam lugar ao silêncio da morte. Os risos seriam substituídos por gritos de desespero e pelo eco dos tiros que, um a um, buscavam vítimas indefesas.
Em poucos minutos uma violência absurda e brutal entraria em sala de aula para uma lição que os alunos jamais esqueceriam. Nenhum de nós esquecerá.
Será?
Há tantas outras tragédias que ocuparam por dias, semanas, os espaços das manchetes e hoje são vagas e tristes lembranças. João Hélio, Eloá Cristina, Isabela Nardoni. Esquecidos, raramente voltam à mídia.
Em Realengo, dos que chegaram para as aulas, no burburinho de um dia que deveria ser como todos os dias, doze nunca mais voltariam para suas casas.
Não vou falar dos detalhes da tragédia. Isso a mídia já fez com minuciosa competência. Os passos do criminoso já foram reconstituídos com precisão milimétrica. Sua vida foi devassada, sua loucura estampada nas páginas, telas e sons de todos os veículos de comunicação.
As imagens do massacre, captadas sob diversos ângulos por câmeras onipresentes, nesse imenso big brother em que transformamos o cotidiano, mostraram em slow motion, com direito a replay, a fria, mecânica e violenta ação do assassino enlouquecido.
Um espetáculo da mídia. Um espetáculo do medo. E quando o medo vira espetáculo, a segurança vira mercadoria.
Mal silenciado o eco dos disparos, políticos já disputavam os palanques eletrônicos em entrevistas onde questionavam a segurança nas nossas escolas. Aqui em BH um vereador rapidamente desenterrou um projeto que propõe a instalação de detectores de metal em cada unidade de ensino. Especialistas discutiram exaustivamente as razões de tanta violência. Um deles, o ex capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, que inspirou a criação do personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, foi curto e grosso; “o primeiro passo para diminuir a violência é desarmar a população”, no que foi rapidamente contestado por outros especialistas.
Na verdade, o massacre de Realengo expõe muitas das nossas realidades e fragilidades. Dentre elas, uma que destaco: o medo tornou-se um bom negócio. Aliás, um ótimo negócio. E muitos de nós, adestrados e obedientes às leis do Mercado, tornamo-nos clientes do medo. Vivemos, literalmente, “alarmados”. Alarmes em casa, no trabalho, no carro, no coração, na alma. Erguemos à nossa volta arame farpado e cercas eletrificadas. O que era coisa de campo de concentração nazista hoje é equipamento básico, “ornamentando” nossas casas, prédios e condomínios. Quando não razões concretas para o medo, temos medo do medo de ter medo.
Para o atirador de Realengo, imitador de outros tantos atiradores em outros tantos países, imitado, no dia seguinte, por um atirador num shopping, na Holanda, alarmes, cercas, câmeras de vigilância, detectores e sensores pouco podem fazer. Em sua loucura, estão dispostos a morrer, o que os torna incontroláveis. Em geral não tem antecedentes criminais o que os torna também imprevisíveis, apesar de os que com eles convivem perceberem que há algo de estranho em seu comportamento. Mas, para a imensa maioria da população brasileira, que recursos há para atendimento psicológico ou psiquiátrico?
Diante desse quadro há uma solução, uma saída? O nosso futuro é construir muros cada vez mais altos, cercas cada vez mais extensas, alarmes cada vez mais sofisticados e potentes? Casas e escolas tipo fortalezas?
O medo será a herança dos nossos filhos?
“Mesmo contra toda a esperança, esperei...”, diz o apóstolo Paulo. E se ter esperança é sentir saudades do que ainda há de vir... deve haver um outro mundo possível...
Mas onde buscar essa esperança?
Um fato quase anônimo, que pouco destaque teve na mídia escandalosa, acende, para mim, uma fresta de luz em meio a tanta treva.
Dois dias depois do massacre, a casa onde morou o atirador foi pichada e depredada por pessoas revoltadas com o episódio.
No dia seguinte, alguns moradores anônimos, entre eles, alunos da escola Tasso da Silveira, apagaram as pichações, consertaram os portões destruídos da casa, colocaram papelão no lugar dos vidros quebrados nas janelas.
Um deles, entrevistado, disse apenas uma frase: “o ódio não é uma boa alternativa para o medo...”.
Por aí pode haver uma saída, um caminho.
Em lugar da espetacularização momentânea da tragédia, como já aconteceu em tantos outros casos de violência, uma postura mais sóbria, equilibrada, responsável da mídia.
Em lugar de gestos de vingança, apoio real, efetivo, contínuo e solidário às vítimas.
Em lugar de mãos crispadas, prontas a revidar, toques de acolhida e ternura.
Em lugar da caça irracional aos culpados, uma reflexão séria sobre responsabilidades.
Culpa é uma seta que aponta para trás e para baixo. Responsabilidade aponta para frente. Culpa gera vergonha, mentiras, manipulação. Responsabilidade gera atitudes de prevenção e mudança.
Dias depois da tragédia em Realengo, dois acidentes automobilísticos custaram a vida de 19 pessoas, a maioria jovens, nas estradas da minha Minas Gerais. Os dois, claro, foram notícia. Mas nem de longe alcançaram a repercussão do massacre na escola do Rio. É que o massacre era novidade. A carnificina nas nossas estradas já é rotina...
Parte da mídia vive em busca de culpados. Toda a sociedade precisa de identificar os responsáveis. E os responsáveis precisam assumir suas responsabilidades.
É... entre a culpa e a responsabilidade, há muito que pensar, muito que fazer..
quarta-feira, 23 de março de 2011
A vida no Planeta
Estamos, mais uma vez, no Tempo da Quaresma, momento forte e marcante no calendário litúrgico.
O termo “Quaresma” vem de quarenta, número bíblico simbólico de um tempo de preparação, espera, e mudança.
Por quarenta dias choveu sobre Noé e sua arca, na parábola do dilúvio. Por quarenta anos o povo hebreu vagou pelo deserto em busca da Terra Prometida. Jesus ficou quarenta dias no deserto, em jejum e penitência, antes de começar sua vida pública.
Para os cristãos, o tempo da Quaresma, os quarenta dias entre a Quarta feira de Cinzas e o Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa, convida também à preparação para uma grande mudança; a nova vida que vem com a Páscoa.
É nesse contexto que, desde 1964, a Igreja no Brasil, promove a profunda experiência da Campanha da Fraternidade. Ao longo de mais de quatro décadas, ano a ano, temas e lemas apontam o rumo e o modo de caminhar da nossa Igreja. E neste ano de 2011 a CNBB retoma e aprofunda um dos temas fundamentais para a garantia da dignidade de todas as pessoas: “Fraternidade e a vida no planeta”, com o lema: “A Criação geme em dores de parto”.
Quando contemplamos o mundo que vai se delineando nesta segunda década do Séc. XXI percebemos que nunca o homem pode exercitar com tanto vigor o seu direito de escolha. Apesar dos limites e contradições imensos que sabemos existir neste planeta tão vasto e plural, onde encontramos desde a opulência mais exacerbada até a miséria mais absurda, onde, em meio a regimes políticos democráticos, sobrevivem ainda ditaduras brutais, apesar de tudo isso, a História aponta na direção do exercício cada vez maior da liberdade humana.
Não há entusiasmo ufanista nessa afirmativa, pois ninguém é livre se não tem o mínimo para sobreviver com dignidade. Ninguém é livre se passa necessidades que afrontam sua dignidade como pessoa. E há ainda, no mundo, um contingente imenso de pessoas a quem são negados direitos que nem podemos chamar de humanos: comer, se abrigar, cuidar da cria, é direito de bicho. Gente quer e precisa de mais. Gente é pra brilhar, como disse o Caetano.
A contradição fica ainda maior quando constatamos que o Homem, hoje, mais que em qualquer outro tempo na História, tem meios, tecnologia e conhecimento para acabar com a miséria absoluta. E aqui faço uma diferença entre pobreza e miséria.
Quando ia com meus alunos à região de Bonfim ou ao norte de Minas, na experiência da Missão Rural, conhecíamos uma pobreza diferente da que costumamos ver nos grandes centros urbanos. Pessoas simples, casas simples, vidas ainda mais simples. Mas inteiras, cheias de dignidade. Lá as pessoas têm nome, sobrenome, história. Constroem relações, são parte de uma comunidade. Mas lá, nas comunidades de Barreiras, Miranda, Jordão e tantas outras, ou no norte de Minas, e por toda parte, há um gemido de dor na Criação, que quer dar à luz um mundo novo, onde as pessoas tenham direito a Educação, Saúde, Moradia, Segurança, Trabalho, melhores condições de vida para todos.
Mas, se lá no interior existe a pobreza, aqui, na cidade grande ela ganha ares de miséria. O pobre, no interior, vira miserável, na capital. Arrancado da sua cultura, da sua terra, das suas origens, aqui ele perde suas referências mais preciosas, perde a sua dignidade humana. O desemprego ou o subemprego abrem espaço para o mundo das drogas, da prostituição, da invisibilidade social.
È possível superar a pobreza. É intolerável admitir a miséria. A ela podemos e devemos combater e até eliminar. Meios há, falta a tal da vontade política.
Assim a Campanha da Fraternidade deste ano convida os cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade a uma reflexão seguida de ações concretas pela valorização da vida no planeta sob todas as suas formas. A vida é dom de Deus, dom irrevogável e único. Defender a vida é defender nossa origem, nossa caminhada e nosso destino final.
Eduardo Machado
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