sexta-feira, 29 de abril de 2011

Curiosidades sobre a Páscoa

Os Mártires de Realengo... Num país chamado Brasil !

 
Para Adentrar na profundidade da reflexão, começo distinguindo o conceito de "Mártires de Realengo". Um mártir (do grego μάρτυς, transl. martys, "testemunha") é uma pessoa que morre por sua fé religiosa, pelo simples fato de professar uma determinada religião ou por agir coerentemente com a religião que possui.
No decorrer da História porém, a palavra ganhou outros conceitos, como morrer patrioticamente pela liberdade, a independência ou a autonomia de um povo, por um ideal social ou político ou até mesmo em uma guerra.
Do ponto de vista cristão e dentro do contexto do Novo Testamento pode-se dizer que mártir é aquele que preferiu morrer a renunciar à sua fé, por defender a veracidade do que consiste "a Palavra de Deus" entregando a própria vida para este fim, para que a essência desta verdade fosse preservada.
Entre os cristãos chama-se "batismo de sangue" o mártírio daquele que morre pela fé antes de ter sido batizado. Assim, foram os  Santos Inocentes, as crianças que foram mortas em Belém a mando de Herodes, embora não tenham sido batizados na água diz-se que receberam o "batismo de sangue" por que foram mortos no lugar de Jesus Cristo e por causa Dele. Estes são considerados os primeiros mártires do cristianismo. A Igreja Católica reconhece como válido o chamado "batismo de sangue" no lugar do batismo sacramental.
Agora, vamos ao fenômeno daquela quinta feira que não era 'quinta-feira santa' mas foi santificada...
Deve ter sido mais ou menos assim, no dia anterior, na escola Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio. Sendo uma escola pública e de bairro, com certeza havia menos movimento de carros à porta. As crianças e adolescentes, mais independentes, morando ali pelos arredores, chegam à escola pelos próprios pés. Mas imagino a mesma alegria, as conversas em voz alta, as risadas, o mesmo burburinho, próprio da idade, esse brilho adolescente que dá vida à escola, que dá vida à vida.
Naquela quinta feira, os sons da vida dariam lugar ao silêncio da morte. Os risos seriam substituídos por gritos de desespero e pelo eco dos tiros que, um a um, buscavam vítimas indefesas.
Em poucos minutos uma violência absurda e brutal entraria em sala de aula para uma lição que os alunos jamais esqueceriam. Nenhum de nós esquecerá.
Será?
Há tantas outras tragédias que ocuparam por dias, semanas, os espaços das manchetes e hoje são vagas e tristes lembranças. João Hélio, Eloá Cristina, Isabela Nardoni. Esquecidos, raramente voltam à mídia.
Em Realengo, dos que chegaram para as aulas, no burburinho de um dia que deveria ser como todos os dias, doze nunca mais voltariam para suas casas.
Não vou falar dos detalhes da tragédia. Isso a mídia já fez com minuciosa competência. Os passos do criminoso já foram reconstituídos com precisão milimétrica. Sua vida foi devassada, sua loucura estampada nas páginas, telas e sons de todos os veículos de comunicação.
As imagens do massacre, captadas sob diversos ângulos por câmeras onipresentes, nesse imenso big brother em que transformamos o cotidiano, mostraram em slow motion, com direito a replay, a fria, mecânica e violenta ação do assassino enlouquecido.
Um espetáculo da mídia. Um espetáculo do medo. E quando o medo vira espetáculo, a segurança vira mercadoria.
Mal silenciado o eco dos disparos, políticos já disputavam os palanques eletrônicos em entrevistas onde questionavam a segurança nas nossas escolas. Aqui em BH um vereador rapidamente desenterrou um projeto que propõe a instalação de detectores de metal em cada unidade de ensino. Especialistas discutiram exaustivamente as razões de tanta violência. Um deles, o ex capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, que inspirou a criação do personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, foi curto e grosso; “o primeiro passo para diminuir a violência é desarmar a população”, no que foi rapidamente contestado por outros especialistas.
Na verdade, o massacre de Realengo expõe muitas das nossas realidades e fragilidades. Dentre elas, uma que destaco: o medo tornou-se um bom negócio. Aliás, um ótimo negócio. E muitos de nós, adestrados e obedientes às leis do Mercado, tornamo-nos clientes do medo. Vivemos, literalmente, “alarmados”. Alarmes em casa, no trabalho, no carro, no coração, na alma. Erguemos à nossa volta arame farpado e cercas eletrificadas. O que era coisa de campo de concentração nazista hoje é equipamento básico, “ornamentando” nossas casas, prédios e condomínios. Quando não razões concretas para o medo, temos medo do medo de ter medo.
Para o atirador de Realengo, imitador de outros tantos atiradores em outros tantos países, imitado, no dia seguinte, por um atirador num shopping, na Holanda, alarmes, cercas, câmeras de vigilância, detectores e sensores pouco podem fazer. Em sua loucura, estão dispostos a morrer, o que os torna incontroláveis. Em geral não tem antecedentes criminais o que os torna também imprevisíveis, apesar de os que com eles convivem perceberem que há algo de estranho em seu comportamento. Mas, para a imensa maioria da população brasileira, que recursos há para atendimento psicológico ou psiquiátrico?
 Diante desse quadro há uma solução, uma saída? O nosso futuro é construir muros cada vez mais altos, cercas cada vez mais extensas, alarmes cada vez mais sofisticados e potentes? Casas e escolas tipo fortalezas?
O medo será a herança dos nossos filhos?
“Mesmo contra toda a esperança, esperei...”, diz o apóstolo Paulo. E se ter esperança é sentir saudades do que ainda há de vir... deve haver um outro mundo possível...
Mas onde buscar essa esperança?
Um fato quase anônimo, que pouco destaque teve na mídia escandalosa, acende, para mim, uma fresta de luz em meio a tanta treva.
Dois dias depois do massacre, a casa onde morou o atirador foi pichada e depredada por pessoas revoltadas com o episódio.
No dia seguinte, alguns moradores anônimos, entre eles, alunos da escola Tasso da Silveira, apagaram as pichações, consertaram os portões destruídos da casa, colocaram papelão no lugar dos vidros quebrados nas janelas.
Um deles, entrevistado, disse apenas uma frase: “o ódio não é uma boa alternativa para o medo...”.
Por aí pode haver uma saída, um caminho.
Em lugar da espetacularização momentânea da tragédia, como já aconteceu em tantos outros casos de violência, uma postura mais sóbria, equilibrada, responsável da mídia.
Em lugar de gestos de vingança, apoio real, efetivo, contínuo e solidário às vítimas.
Em lugar de mãos crispadas, prontas a revidar, toques de acolhida e ternura.
Em lugar da caça irracional aos culpados, uma reflexão séria sobre responsabilidades.
Culpa é uma seta que aponta para trás e para baixo. Responsabilidade aponta para frente. Culpa gera vergonha, mentiras, manipulação. Responsabilidade gera atitudes de prevenção e mudança.
Dias depois da tragédia em Realengo, dois acidentes automobilísticos custaram a vida de 19 pessoas, a maioria jovens, nas estradas da minha Minas Gerais. Os dois, claro, foram notícia. Mas nem de longe alcançaram a repercussão do massacre na escola do Rio. É que o massacre era novidade. A carnificina nas nossas estradas já é rotina...
Parte da mídia vive em busca de culpados. Toda a sociedade precisa de identificar os responsáveis. E os responsáveis precisam assumir suas responsabilidades.
É... entre a culpa e a responsabilidade, há muito que pensar, muito que fazer..