quarta-feira, 23 de março de 2011

A vida no Planeta

Estamos, mais uma vez, no Tempo da Quaresma, momento forte e marcante no calendário litúrgico.
O termo “Quaresma” vem de quarenta, número bíblico simbólico de um tempo de preparação, espera, e mudança.
Por quarenta dias choveu sobre Noé e sua arca, na parábola do dilúvio. Por quarenta anos o povo hebreu vagou pelo deserto em busca da Terra Prometida. Jesus ficou quarenta dias no deserto, em jejum e penitência, antes de começar sua vida pública.
Para os cristãos, o tempo da Quaresma, os quarenta dias entre a Quarta feira de Cinzas e o Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa, convida também à preparação para uma grande mudança;  a nova vida que vem com a Páscoa.
É nesse contexto que, desde 1964, a Igreja no Brasil, promove a profunda experiência da Campanha da Fraternidade. Ao longo de mais de quatro décadas, ano a ano, temas e lemas apontam o rumo e o modo de caminhar da nossa Igreja. E neste ano de 2011 a CNBB retoma e aprofunda um dos temas fundamentais para a garantia da dignidade de todas as pessoas: “Fraternidade e a vida no planeta”, com o lema: “A Criação geme em dores de parto”.
            Quando contemplamos o mundo que vai se delineando nesta segunda década do Séc. XXI percebemos que nunca o homem pode exercitar com tanto vigor o seu direito de escolha. Apesar dos limites e contradições imensos que sabemos existir neste planeta tão vasto e plural, onde encontramos desde a opulência mais exacerbada até a miséria mais absurda, onde, em meio a regimes políticos democráticos, sobrevivem ainda ditaduras brutais, apesar de tudo isso, a História aponta na direção do exercício cada vez maior da liberdade humana.
            Não há entusiasmo ufanista nessa afirmativa, pois ninguém é livre se não tem o mínimo para sobreviver com dignidade. Ninguém é livre se passa necessidades que afrontam sua dignidade como pessoa. E há ainda, no mundo, um contingente imenso de pessoas a quem são negados direitos que nem podemos chamar de humanos: comer, se abrigar, cuidar da cria, é direito de bicho. Gente quer e precisa de mais. Gente é pra brilhar, como disse o Caetano.
            A contradição fica ainda maior quando constatamos que o Homem, hoje, mais que em qualquer outro tempo na História, tem meios, tecnologia e conhecimento para acabar com a miséria absoluta. E aqui faço uma diferença entre pobreza e miséria.
Quando ia com meus alunos à região de Bonfim ou ao norte de Minas, na experiência da Missão Rural, conhecíamos uma pobreza diferente da que costumamos ver nos grandes centros urbanos. Pessoas simples, casas simples, vidas ainda mais simples. Mas inteiras, cheias de dignidade. Lá as pessoas têm nome, sobrenome, história. Constroem relações, são parte de uma comunidade. Mas lá, nas comunidades de Barreiras, Miranda, Jordão e tantas outras, ou no norte de Minas, e por toda parte, há um gemido de dor na Criação, que quer dar à luz um mundo novo, onde as pessoas tenham direito a Educação, Saúde, Moradia, Segurança, Trabalho, melhores condições de vida para todos.
Mas, se lá no interior existe a pobreza, aqui, na cidade grande ela ganha ares de miséria. O pobre, no interior, vira miserável, na capital. Arrancado da sua cultura, da sua terra, das suas origens, aqui ele perde suas referências mais preciosas, perde a sua dignidade humana. O desemprego ou o subemprego abrem espaço para o mundo das drogas, da prostituição, da invisibilidade social.
È possível superar a pobreza. É intolerável admitir a miséria. A ela podemos e devemos combater e até eliminar. Meios há, falta a tal da vontade política.
            Assim a Campanha da Fraternidade deste ano convida os cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade a uma reflexão seguida de ações concretas pela valorização da vida no planeta sob todas as suas formas. A vida é dom de Deus, dom irrevogável e único. Defender a vida é defender nossa origem, nossa caminhada e nosso destino final.
Eduardo Machado